quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Formiga e a Cigarra


Dentro da ciência econômica, há uma área que nos últimos tempos (principalmente em tempos de crise) vem ganhando/ganha cada vez mais força e notoriedade: a economia comportamental. Essa não é uma vertente nova da economia, pelo contrário, muitas vezes se confunde com o próprio desenvolvimento da ciência econômica por volta da segunda metade do século XVIII e possui os primeiros fundamentos nas teorias utilitaristas e do prazer de Jeremy Bentham e em seguida em Adam Smith, na sua pouco conhecida obra Teoria dos Sentimentos Morais de 1759.
O conceito de racionalidade dos agentes (pessoas e firmas, por exemplo), que dominou o mainstream econômico durante a segunda metade do século XIX e começo do XX, postula que as escolhas individuais são tomadas sempre da melhor maneira possível (estritamente racionais) a fim de se maximizar a satisfação do agente, ou seja, há total acesso por parte dos agentes a todas as informações de relevância determinante nas tomadas de decisões. A realidade dos fatos provou que isto tudo nem sempre é aplicável aos atuais acontecimentos econômicos. A situação que se construiu nos mercados imobiliários e financeiros dos países desenvolvidos é de se crer quase que "fervorosamente" que nós, agente econômicos, nem sempre somos movidos pelo ideário racionalista. Analisando os fatos, podemos perceber uma certa “promiscuidade” econômica por parte dos indivíduos e instituições. Vejamos o porquê:
Nos anos pré-crise, entre vários acontecimentos de natureza macroeconômica, destacam-se principalmente dois fortes condicionantes para o desenrolar da atual crise: o baixo nível das taxas juros nos EUA e o alto grau de liberalização dos mercados. Indivíduos e instituições aumentaram irresponsavelmente o nível geral de endividamento; emprestaram dinheiro para quem não tinha condições financeiras mínimas e não possuíam emprego (subprime); abusaram de esquemas miraculosos de engenharia financeira; incentivaram o uso generalizado e irrestrito de instrumentos antes utilizados para proporcionar segurança na variação dos preços de ativos e passaram a utilizá-los como instrumentos especulativos (derivativos e securitização), gerando transmissão generalizada de riscos à terceiros; etc. Enfim, acreditou-se que a farra do crédito fácil e a liquidez nos mercado seriam eternas e não haveria consequências.
Por analogia, a Fábula da Formiga e da Cigarra nos faz pensar a respeito do cenário acima descrito e de sua respectiva moral. Desta forma, podemos imaginar o cenário dos países desenvolvidos no final da década de 1990 e início dos anos 2000, como sendo a Cigarra que não se preocupava com as implicações de seus atos e, alguns países emergentes, grosso modo, como as Formigas trabalhadoras, que durante os anos anteriores aplicaram reformas na base de seu sistema financeiro.
Na década de 1930, John Maynard Keynes já nos mostrava em seu indispensável livro Teoria do Emprego, do Juro e da Moeda (1936) que não bastam boas razões e bons modelos para nos atermos à pratica de uma determinada ação, mesmo com todo motivo racional por trás, o que nos leva a acreditar em algo, seja um projeto de investimento, de um empreendimento ou qualquer outra coisa, para não nos restringirmos apenas aos jargões econômicos, é um certo espírito animal (animal spirit) que todos, ou melhor, alguns trazem dentro de si. Este feeling é a crença de que algo pode se tornar possível mesmo indo de encontro ao senso comum e da racionalidade exposta. Este instinto é um dos responsáveis pelo desenvolvimento e dinamismo da economia.
Mas o que se observou nos últimos anos na economia mundial não foi o espírito animal do conceito keynesiano, foi um espírito animal que se assemelha mais ao da Cigarra, que tendo um ambiente favorável para o trabalho e inovação sadia (verão, por analogia à fábula) não agiu de maneira correta e preferiu se esbaldar na acumulação e desregulamentação financeira fácil e duvidosa (leia-se diversão). No estourar da crise, países quem antes trabalharam de maneira relativamente correta (Formiga), como o Brasil que regulamentou de maneira eficiente seu sistema financeiro (muito em função do caos inflacionário do início dos anos 1990), hoje sofrem menos os impactos da crise (mais uma vez leia-se inverno).
Para finalizar, relembrando um pouco o conceito keynesiano de espírito animal, da atitude empreendedora, contestadora, devemos nos perguntar o que podemos aprender com ele e por tabela com a graciosa Fábula dos Insetos: “Queremos o espírito animal da Formiga (racional, precavido), o da Cigarra (hedonista, imediatista) ou ainda um terceiro, que seja racional e saiba levar em conta as boas oportunidades?”. Eu fico com este último.

Um comentário:

  1. Nossa João! Mto boa essa materia...
    Nunca tinha pensado nessa analogia, apesar de achar que o Brasil poderia fazer seu trabalho de "formiga" com mais empenho e menos corrupção! Mto bom mesmo... Parabéns pelo blog!

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